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Posts Tagged ‘Objetiva’

Quase um mês sem Veríssimo aqui no blog. Pode demorar, mas sempre voltamos com as crônicas. E uma especial às festas de fim de ano! \o/

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As festas

Aproxima-se a perigosa época das festas. O Natal e o Ano-Novo, como se sabe, despertam os melhores sentimentos das pessoas, e isto pode ter conseguências terríveis. São conhecidos os casos de paixão, alguns até terminando em morte, que começaram em festas de fim de ano, na firma, quando o espírito de conciliação e congraçamento leva as pessoas a baixarem a guarda e aceitarem o que normalmente não aceitariam e a fazerem o que, no resto do ano, nem pensariam, ainda mais depois de beberem um pouco. Nada mais embaraçoso do que, no segundo dia do ano novo, ter de tentar desfazer algum equívoco do fim do ano anterior.

– Dona Teresa, eu…
– Pintinho!
– Pinto. Meu nome é Pinto.
– Humm. Como nós estamos mudados, hein? Na festa…
– Era justamente sobre isso que eu queria lhe falar dona Teresa. Na festa. Algumas coisas foram ditas…
– Só ditas não, não é, Pintinho?
– Pinto. Pois é. Ditas e feitas, que…
– Já sei. Vamos fingir que nada aconteceu.
– Eu prefiria.
– Muito bem. Só não sei o que vou dizer ao papai.
– O que que tem o seu pai?
– Ele está vindo de Cachoeiro para o casamento.

Outra coisa perigosa é a pessoa se entusiasmar no fim do ano e decidir mudar. Ser outra pessoa. Deixar velhos vícios e adotar novas atitudes, ou recuperar algumas antigas. Janeiro, ou pelo menos a sua primeira quinzena, é uma espécie de segunda-feira do ano. As ruas ficam cheias de novos virtuosos, pessoas resolvidas a serem melhores do que no ano passado.

– Olhe.
– O que é isso?
– Aquele livro que você me emprestou.
– Eu não me lembro de…
– Faz muito tempo. E, na verdade, você não emprestou. Eu peguei. Eu costumava fazer isso. Nunca mais vou fazer.
– Você pode ficar com o livro. Eu…
– Não! Ajude a me regenerar. Quem fazia essas coisas não era eu. Era outra pessoa. Um crápula. Decidi mudar. Este sou o eu 2006. Comecei devolvendo todos os livros que peguei dos amigos. Acabou com a minha biblioteca, mas que diabo. Me sinto bem fazendo isto. Outra coisa. Precisamos nos ver mais. Eu abandonei os amigos. Abandonei os amigos! Olhe, vou à sua casa este sábado.
– Não. Ahn…
– Prometo não roubar nada.
– Não é isso. É que…
– Já sei. Vamos combinar um jantarzinho lá em casa. A Santa e eu estamos ótimos. Fiz um juramente, na noite de ano bom. Que me regeneraria. E ela me aceitou de volta. Há dois dias que não olho para outra mulher. Dois dias inteiros! Isso era coisa do outro.
– Sim.
– Do crápula.
– Sei…
– Eu era horrível, não era? Diz a verdade. Pode dizer. Uma das coisas que eu resolvi é não bater mais em ninguém. Era ou não era?
– O que é isso?
– Como é que eu podia ser tão horrível, meu Deus?
– Calma. Você está transtornado. Vamos tomar um chopinho.
– Não! Não posso. Jurei que não botaria mais uma gota de álcool na boca.
– Mas um chopinho…
– Está bem. Um. Em honra da nossa amizade recuperada. E escuta…
– O quê?
– Deixa eu ficar com o livro mais uns dias. Ainda não tive tempo de…
– Claro. Toma.
– E vamos ao chope. Lá no alemão, onde tem mais mulher.

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Alguns dias de atraso, mas aí está mais uma crônica 🙂

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Tintim

Durante alguns anos, o tintim me intrigou. Tintim pot tintim: o que queria dizer aquilo? Imaginei que fosse alguma misteriosa medida de outros tempos que sobrevivera ao sistema métrico, como a braça, a légua, etc. Outro mistério era o triz. Qual a exata definição de um triz? É uma subdivisão de tempo ou de espaço. As coisas deixam de acontecer por um triz, por uma fração de segundo ou de milímetro. Mas que fração? O triz talvez correspondesse a meio tintim, ou o tintim a um décimo das microcoisas. Há quem diga que não existe uma fração mínima de matéria, que tudo pode ser dividido e subdividido. Assim como existe o infinito para fora – isto é, o espaço sem fim, depois que o Universo acaba – existiria o infinito para dentro. A menor fração da menor partícula do último átomo ainda seria formada por dois trizes, e assim por diante, até a loucura.

Descobri, finalmente, o que significa tintim. É verdade que, se tivesse me dado o trabalho de olhar no dicionário mais cedo, minha ignorância não teria durado tanto. Mas o óbvio, às vezes, é a última coisa que nos ocorre. Está no Aurelião. Tintim, vocábulo onomatopaico que evoca o tinido das moedas. Originalmente, portanto, “tintim pot tintim” indicava um pagamento feito minuciosamente, moeda por moeda. Isso no tempo em que as moedas, no Brasil, tiniam, ao contrário de hoje, quando são feitas de papelão e se chocam sem ruído. Numa investigação feita hoje da corrupção no país tintim por tintim ficaríamos tinindo sem parar e chegaríamos a uma nova concepção de infinito.

Tintim por tintim. A menina muito dada namoraria sim-sim por sim-sim. O gordo incontrolável progrediria pela vida quindim por quindim. O telespectador habitual viveria plim-plim por plim-plim. E você e eu vamos ganhando nosso saláriotin por tin (olha aí, a inflação já levou dois tins). Resolvido o mistério do tintim, que não é uma subdivisão nem de tempo nem de espaço nem de matéria, resta o triz. O Aurelião não nos ajuda. “Triz”, diz ele, significa por pouco. Sim, mas que pouco? Queremos algarismos, vírgulas, zeros, definições para “triz”. Substantivo feminino. Popular. “Icterícia.” Triz quer dizer icterícia. Ou teremos que mudar todas as nossas teorias sobre o Universo ou teremos que mudar de assunto. Acho melhor mudar de assunto. O Universo já tem problemas demais.

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Vou estrear hoje um novo livro do Veríssimo aqui no blog: Banquete com os Deuses. O livro traz algumas crônicas voltadas para “cinema, literatura, música e outras artes” como está escrito na sua própria capa. É um livro com crônicas mais sérias e complexas, pois exige algum conhecimento prévio de alguns assuntos, mas ainda assim encontramos aquelas crônicas leves e com aquele humor já famoso do autor. \o/

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Boca Aberta

Quando eu era pequeno, não acreditava em beijo de cinema. Achava que eles não podiam estar se beijando de verdade, nos filmes de censura livre. Aquilo era truque. Me contaram que usavam um plástico, que a gente não via, entre uma boca e a outra. Isso no tempo em que as pessoas só se beijavam de boca fechada, pelo menos no cinema americano. Não sei quem me deu esta informação. Alguém ainda mais confuso do que eu.

Nos filmes proibidos até 14 anos, permanecia a idéia de que nos Estados Unidos o sexo era diferente. As pessoas se beijavam – de boca fechada -, depois desapareciam da tela, tudo escurecia e a mulher ficava grávida. Quando se via o beijo do começo ao fim, não havia perigo de a mulher engravidar. Mas quando as cabeças saíam do quadro ainda se beijando, e a tela escurecia, era fatal: vinha filho. Às vezes na cena seguinte.

Durante algum tempo, só filmes europeus eram proibidos até 18 anos. Você entrava no cinema para assistir a um filme “até 18” sabendo que ia ver no mínimo um seio nu, provavelmente da Martinne Carole. Não sei quando apareceu o primeiro seio americano no cinema. Mas me lembro do primeiro filme americano com beijo de boca aberta. Com língua e tudo. Bom, a língua não se via, a língua era presumida. Também não era beijo tipo roto-rooter, beijo de amígdala, como no cinema francês. Mas estavam lá, as bocas abertas, num beijo histórico. Depois do primeiro beijo de boca aberta, foi como se abrissem uma porteira e começasse a passar de tudo. Passa língua, passa peito, passa bunda… E em pouco tempo os americanos estariam transando sem parar. Era inacreditável. Americanos na cama, sem roupa, transando como todo o mundo!

Mas guardei o primeiro beijo de boca aberta no cinema americano porque me lembro de ter tido um pensamento quando o vi. Com aquele misto de carinho divertido e incredulidade com que recordamos nossa infância, que aumenta quanto mais nos distanciamos dela. Me lembro de ter pensado:

– Isso destrói, definitivamente, a teoria do plástico.

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Domingo é dia de Veríssimo!

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Crise

Um dia você estará na praia e fará “Aaaaah…”. Epensará: vida boa. Está bem, não tão boa. Há gente morrendo de fome em várias partes do mundo, inclusive na minha vizinhança. Gente se matando, Bolsas caindo. A Aids. O governo brasileiro. A falta de dinheiro. Mas aqui, nesta praia, sob este sol, com este ventinho de primavera correndo vez que outra pelo corpo, como caldo sendo passado num assado para ele não secar, a vida é outra coisa. Uma praia tem isto de bom. A gente tira a roupa e, de repente, está em contato com as coisas básicas da existência. Sente a areia sob os pés nus. Sente o chão do planeta. Nada entre você e a Teraa. Nem asfalto nem sola de sapato. O cheiro do mar. O cheiro antigo do mar. Quantos cheiros do nosso dia-a-dia são os mesmos cheiros que um homem primitivo conhecia? Pouquíssimos. Só os cheiros naturais. O mar, o mato, a terra molhada pela chuva, os cheiros do próprio corpo. Bom, pensará você, eu estou cheirando a loção de barbear, desodorante e creme bronzeador, coisas que o homem primitivo não usava. Se por alguma mágica eu fosse transportado neste minuto para a Pré-história, causaria uma sensação nas cavernas. Por causa do calção e dos óculos escuros, claro, mas principlamente por causa do cheiro. Os pré-homens me cercariam aspirando forte. Como eu explicaria ter o cheiro de um campo florido? Mas este cheiro de mar é o mesmo desde o começo do mundo. Quando tira a roupa na praia, o home se despe, simbolicamente, das camadas de civilização que impedem o seu contato direto com a natureza, ah! vida boa. Só não tiro o calção também porque, afinal, há as famílias. Aqui nada pode me atingir. Estou em casa, entre os elementos. Sou um molusco no meu habitat. Respiro o bom e farto oxigênio posto no mundo justamente para o meu sustento. Ninguém me consultou, mas eu não mudaria este arranjo por nada. Deus, o primeiro autocrata, fez o mundo como bem quis, sem ouvir as beses, sem plebiscito. O que, pensando bem, foi a nossa sorte, pois, se o Criador tivesse optado pelo método democrático, o universo não estaria pronto até hoje e estaríamos perdendo todos os bons seriados na TV. Vivemos no mundo como ele nos foi dado e ainda não ouvi ninguém chamar o processo de facismo divino. Eu, pelo menos, não me queixo. Acho o universo um barato e não faria o mundo diferente, apesar de concordar que certas coisas – Saturno, por exemplo, e todo o repertório de Julio Iglesias – são de gosto duvidoso. Já o morango, arco-íris, a estrutura molegular, trigal, mulher, estrela-cadente – olha, Deus: gênio. Estou bem, estou protegido. Aqui, deitado nesta areia cálida, sinto o meu planeta se mexer com a doce familiaridade de um berço embalado. Somos uma raça antiga, temos um velho acerto com esta velha bola que gira em torno do velho…

– Você leu sobre a capa de ozônio?
– O quê?
– Desculpe, estava dormindo?
– Não, não. Capa de quê?
– Ozônio.
– Que que tem o ozônio?
– Descobriram que está desaparecendo.
– Como desaparecendo?!
– Acabando. É a capa de ozônio que filtra os raios solares e impede que eles nos façam mal. Descobriram que tem um buraco na capa de ozônio e ele está aumentando.

E agora?, pensará você, juntando suas coisas, toalhas, revistas, família, para fugir do sol. Só faltava esta. A crise chegou à estratosfera. Emigrar para onde?

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Bem, se você não ouviu nosso podcast esta semana, aqui estou, como havia dito, tirando o atraso com as crônicas:

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Eva

Na velha questão sobre a origem da humanidade, eu defendo o meio-termo. Um empate entre Darwin e Deus. Aceito a tese darwiniana de que o Homem descende do macaco, mas acho que Deus criou a mulher. E nós somos a consequencia daquele momento trágico em que o proto-homem, deslocando-se de galho em galho pela floresta primeva, chegou à planície do Éden e viu a mulher pela primeira vez.

Imagine a cena. O homem-macaco de boca aberta, escondido pela folhagem, olhando aquela maravilha: uma mulher recém-feita. Como Vênus recém-pintada por Boticelli, com a tinta fresca. Eva espreguiçando-se à beira do Tigre. Ou era o Eufrates? Enfim, Eva no seu jardim, ainda úmido da criação. Eva esfregando os olhos. Eva examinando o próprio corpo. Eva retorcendo-se para olhar-se atrás e alisando as próprias ancas, satisfeita. Eva olhando-se no rio, ajeitando os longos cabelos, depois sorrindo para a própria imagem. Seus dentes perfeitos faiscando ao sol do Paraíso. E o quase-homem babando no seu galho. E, com muito esforço, formulando um pensamento no seu cérebro primitivo. “Fêmea é isso, não aquela macaca que eu tenho em casa.”

Há controvérsias a respeito, mas os teólogos acreditam que quando Eva foi criada por Deus tinha entre 19 e 23 anos. E ela reinou sozinha no Paraíso por duas luas. E, instruída por Deus, deu nome às coisas e aos bichos. E chamou o rio de rio e a grama de grama, e a árvore de árvore, e aquele estranho ser que desceu da árvore e ficou olhando para ela como um cachorro, de Homem. E quando o Homem sugeriu que coabotassem no Paraíso e começassem outra espécie, Eva riu, concordou só para ter o que fazer, mas disse que ele ainda precisaria evoluir muito para chegar aos pés dela. E desde então temos tentado. Ninguém pode dizer que não temos tentado.

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Eu ainda não acredito. O último livro de Veríssimo com crônicas da Editora Objetiva saiu em 12/2005, o livro “Orgias”, na qual já publiquei uma crônica aqui no blog. Estou a mais de 2 anos esperando que a coleção continue. E, finalmente, acabou de chegar as livrarias esse mês de Maio o livro:

“Mais Comédias para Ler na Escola”

Já estou no Submarino (é eu sei, a mesmo loja virtual, que me sacaneou com uma máquina digital) e vou pedir a minha edição. O preço lá é R$ 23,90.
O livro tem 144 páginas. Maior que o Orgias, que tem 136.

No site da Editora Objetiva (Clique Aqui) tem um trecho do livro e o texto abaixo:

Depois do sucesso de Comédias para se Ler na Escola, que vendeu mais de 300 mil exemplares, chega às livrarias nova coletânea de crônicas de Luis FernandoVerissimo voltadas para jovens

Mais Comédias para Ler na Escola reúne crônicas de um dos mais respeita-dos cronistas brasileiros selecionadas por Marisa Lajolo, professora de literatura há quarenta anos. Com textos capazes de despertar nos estudantes o prazer e a paixão pela leitura, a publicação, voltada para o público adolescente, traz uma seleção de crônicas que deixam claro por que Verissimo é um dos autores preferidos dos jovens brasileiros. São textos curtos e fáceis de ler que combinam duas das principais carac-terísticas do escritor gaúcho: a inteligência e o bom humor.

Como Marisa observa em seu texto “O cronista no coração das coisas”, na a-presentação da obra: “Se livro fosse remédio – que tem bula e rótulo -, aqui se leria que estas Mais Comédias para Ler na Escola não têm contra-indicação. Na escola ou em casa, lendo por iniciativa própria ou porque a escola o adotou, este livro só tem indicações a favor. Todo mundo sai ganhando: lendo porque-o-professor-mandou-e-vai-cair-na-prova ou porque se sabe que ler qualquer livro de Luis Fernando Verissimo é uma grande experiência de leitura, estas Mais Comédias para Ler na Escola são garantia de boas risadas e de boa leitura. Que não fica menos divertida ao se acompanhar de alguma reflexão, como a que aqui também se inspira. O que não é pouco, não é mesmo?”

Algumas das crônicas do livro tratam de temas que estão ligados diretamente à juventude, como o martírio do vestibular (que Verissimo revela nunca ter enfrentado) e a relação entre pais e filhos. Outras, igualmente divertidas, abordam assuntos diversos, indo da importância da primeira linha dos romances a paranóias envolvendo lingüiças calabresas. Em todas elas, uma qualidade que só os grandes cronistas possuem: a capacidade de buscar o inusitado, o engraçado e o lírico no cotidiano.

Esta nova seleção reafirma o talento Luis Fernando Verissimo para ajudar os novos leitores a mergulhar de cabeça no universo da literatura. Em Mais Comédias para Ler na Escola, o autor mostra, usando uma linguagem clara e com ótimas tiradas, que o cotidiano é menos normal do que parece – e que o banal muitas vezes pode ser mais interessante (e divertido) do que o extraordinário.

O autor:

Luis Fernando Verissimo é um dos autores mais queridos da literatura brasileira. Gaúcho de Porto Alegre, suas crônicas entram diariamente nas casas de todo o Brasil, através dos jornais, e seus livros são amplamente adotados pelas escolas. Autor de mais de sessenta livros – traduzidos em 11 países -, sua obra está sendo inteira-mente relançada, com novo tratamento editorial e gráfico, na série “Ver!ssimo”, da Editora Objetiva.

Seleção das crônicas:

Marisa Lajolo é mestre e doutora pela USP, pós-doutora pela Brown University, nos Estados Unidos, e professora titular de Teoria Literária da UNICAMP. Além de suas atividades de pesquisa e de sala de aula, Marisa também se destacou na organização das antologias de alguns dos mais importantes autores nacionais.
 

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Segundo crônica publicada aqui no Blog, hoje de um dos livros mais vendidos do autor, que ficou praticamente 1 ano na lista dos livros mais vendidos no Brasil.

Trapezista

Querida, eu juro que não era eu. Que coisa ridícula! Se você estivesse aqui – Alô? Alô? – olha, se você estivesse aqui ia ver a minha cara, inocente como o Diabo. O quê? Mas como, ironia? “Como o Diabo” é força de expressão, que diabo. Você acha que eu ia brincar numa hora desta? Alô! Eu juro, pelo que há de mais sagrado, pelo túmulo de minha mãe, pela nossa conta no banco, pela cabeça dos nossos filhos, que não era eu naquela foto de carnaval no Cascalho que saiu na Folha da Manhã. O quê? Alô! Alô! Como é que eu sei qual é a foto? Mas você não acaba de dizer… Ah, você não chegou a dizer… ah, você não chegou a dizer qual era o jornal. Bom, bem. Você não vai acreditar mas acontece que eu também vi a foto. Não desliga! Eu também vi a foto e tive a mesma reação. Que sujeito parecido comigo, pensei. Podia ser gêmeo. Agora, querida, nunca, em nenhum momento, está ouvindo? Em nenhum momento me passou pela cabeça a idéia de que você fosse pensar – querida, eu estou até começando a achar graça -, que você fosse pensar que aquele era eu. Por amor de Deus. Pra começo de conversa, você pode me imaginar de pareô vermelho e colar havaiano, pulando no Cascalho com uma bandida em cada braço? Não, faça-me o favor. E a cara das bandidas! Francamente, já que você não confia na minha fidelidade, que confiasse no meu bom gosto, poxa! O quê? Querida, eu não disse “pareô vermelho”. Tenho a mais absoluta, a mais tranquila, a mais inabalável certeza que eu disse apenas “pareô”. Como é que eu podia saber que era vermelho se a fotografia não era em cores, certo? Alô? Alô? Não desliga! Não… Olha, se você desligar está tudo acabado. Tudo acabado. Você nem precisa voltar da praia. Fica aí com as crianças e funda uma colônia de pescadores. Não, estou falando sério. Perdi a paciência. Afinal, se você não confia em mim não adianta nada a gente continuar. Um casamento deve se… se… como é mesmo a palavra?… se alicerçar na confiança mútua. O casamento é como um número de trapézio, um precisa confiar no outro até de olhos fechados. É isso mesmo. E sabe de outra coisa? Eu não precisava ficar na cidade durante o carnaval. Foi tudo mentira. Eu não tinha trabalho acumulado no escritório coisíssima nenhuma. Eu fiquei sabe para quê? Para testar você. Ficar na cidade foi como dar um salto mortal, sem rede, só para saber se você me pegaria no ar. Um teste do nosso amor. E você falhou. Você me decepcionou. Não vou nem gritar por socorro. Não, não me interrompa. Desculpas não adiantam mais. O próximo som que você ouvir será do meu corpo se estatelando, com o baque da desilusão, no duro chão da realidade. Alô? Eu disse que o próximo som.. que… O quê? Você não estava ouvindo nada? Qual foi a última coisa que você ouviu, coração? Pois sim, eu não falei – tenho certeza absoluta que não falei – em “pareô vermelho”. Sei lá que cor era o pareô daquele cretino na foto. Você precisa acreditar em mim, querida. O casamento é como um número de… Sim. Não. Claro. Como? Não. Certo. Qunado você voltar pode perguntar para o… Você quer que eu jure? De novo? Pois eu juro. Passei sábado, domingo, segunda e terça no escritório. Não vi carnaval nem pela janela. Só vim em casa tomar um banho e comer um sanduíche e vou logo voltar para lá. Como? Você telefonou para o escritório? Meu bem, é claro que a telefonista não estava trabalhando, não é, bem? Ha, ha, você é demais. Olha, querida? Alô? Sábado eu estou aí. Um beijo nas crianças. Socorro. Eu disse, um beijo.

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Essa idéia surgiu faz alguns dias, entretanto eu precisava de um tempo para achar os livros e explicar a intenção aqui. Mas antes disso leiam o texto abaixo:

A Espada

Uma família de classe média alta. Pai, mulher, um filho de sete anos. É a noite do dia em que o filho fez sete anos. A mãe recolhe os detritos da festa. O pai ajuda o filho a guardar os presentes que ganhou dos amigos. Nota que o filho está quieto e sério, mas pensa: “É o cansaço.”Afinal ele passou o dia correndo de um lado para o outro, comendo cachorro-quente e sorvete, brincando com os convidados por dentro e por fora da casa. Tem que estar cansado.

 – Quanto presente, hein, filho?
– É.
– E esta espada. Mas que beleza. Esta eu não tinha visto.
– Pai…
– E como pesa! Parece uma espada de verdade. É de metal mesmo. Quem foi que deu?
– Era sobre isso que eu queria falar com você.

O pai estranha a seriedade do filho. Nunca o viu assim. Nunca viu nenhum garoto de sete anos sério assim. Solene assim. Coisa estranha… O filho tira a espada da mão do pai. Diz:

– Pai, eu sou Thunder Boy.
– Thunder Boy?
– Garoto Trovão.
 – Muito bem, meu filho. Agora vamos pra cama.
– Espere. Esta espada. Estava escrito. Eu a receberia quando fizesse sete anos.

O pai se controla para não rir. Pelo menos a leitura de história em quadrinhos está ajudando a gramática do guri. “Eu a receberia…” O Guri continua.

– Hoje ela veio. É um sinal. Devo assumir meu destino. A espada passa a um novo Thunder Boy a cada geração. Tem sido assim desde que ela caiu do céu, no vale sagrado de Bem Tael, há sete mil anos, e foi empunhado por Ramil, o primeiro Garoto Trovão.

O pai está impressionado. Não reconhece a voz do filho. E a gravidade do seu olhar. Está decidido. Vai cortar as histórias em quadrinhos por uns tempos.

– Certo, filho. Mas agora vamos…
– Vou ter que sair de casa. Quero que você explique à mamãe. Vai ser duro para ela. Conto com você para apoiá-la. Diga que estava escrito. Era meu destino.
– Nós nunca mais vamos ver você? – pergunta o pai, resolvendo entrar no jogo do filho enquanto o encaminha, sutilmente, para a cama.
– Claro que sim. A espada do Thunder Boy está a serviço do bem e da justiça. Enquanto vocês forem pessoas boas e justas poderão contar com a minha ajuda.
– Ainda bem. – diz o pai.

E não diz mais nada. Porque vê o filho dirigir-se para a janela do seu quarto, e erguer a espada como uma cruz, e gritar para os céus “Ramil!”. E ouve um trovão que faz estremecer a casa. E vê a espada iluminar-se e ficar azul. E o seu filho também.

O pai encontra a mulher na sala. Ela diz:

– Viu só? Trovoada. Vá entender este tempo.
– Quem foi que deu a espada para ele?
– Não foi você? Pensei que tinha sido você.
– Tenho uma coisa pra te contar.
– O que é?
– Senta, primeiro.

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Gostou? 🙂
Este texto foi retirado do livro:

Luis Fernando Veríssimo é um dos grandes nomes da Literatura Brasileira. Adoro suas crônicas, sempre inteligentes e criativas e com o humor na dose certa. Alguns anos atrás a editora Objetiva adquiriu o direito de publicar as obras do autor, desde então foram publicados 8 livros de crônicas . As melhores já feitas com os mais diversos temas. Com o intuito de mostrar um pouco das obras do autor, de tempos em tempos irei transcrever algumas das melhores crônicas dos livro já publicados.

Espero que gostem da novidade e acompanhem os próximos textos. Nós, brasileiros, temos o péssimo hábito de fugir da leitura. Temos desprezo pela leitura. Eu gosto de ler desde criança, então sempre incentivei amigos, conhecidos, familiares e colegas ao hábito da leitura. Seja de livros, quadrinhos, jornais ou até internet. Realmente espero que os leitores do Blog curtam a idéia.

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